A dona de casa Eliane do Rocio Mossefaust deixou de aproveitar pelo menos 16 anos da vida dela por um medo que também refletiu na família toda – a fobia de voar de avião. Ela contou que o pavor era tão grande, que não conseguia nem se aproximar de uma aeronave.

Até quinta-feira (22), o G1 Paraná e o Meio-Dia Paraná exibem a série ‘Medo: Vai encarar?’. Na segunda (19), o tema abordado foi o medo de agulha. Nesta terça (20), a reportagem fala sobre o medo de voar de avião. Na quarta (21), o assunto será o medo de altura. A última reportagem vai falar sobre o medo de aranha.

“Eu já tinha viajado algumas vezes, mas comecei a perceber alguns sinais de que a situação estava ficando cada vez mais difícil. Eu não tenho nenhum motivo que desencadeou isso, mas um belo dia eu simplesmente não consegui mais”, contou Eliane.

A sensação, segundo ela, foi a pior possível. “Eu senti muito mal estar. Meu coração acelerava, eu suava, eu tinha dor de estômago, tontura, chorava demais e tinha certeza de um perigo eminente”, lembrou a dona de casa.

Esse dia foi a gota d’água, argumentou Eliane. “Foi quando eu descobri que tinha medo de avião, que nunca mais subiria em uma aeronave. E não subi mesmo, por 16 anos”, contou.

O problema nesse período era quando Eliane precisava fazer viagens mais longas. “A minha família foi muito contra e tentava me convencer de que o avião era o meio de transporte mais seguro, mas aquilo não entrava na minha cabeça”, lembrou.

Eliane pegou trauma após passar mal em voo e ficou 16 anos sem voar de avião  — Foto: Adriana Justi/G1

Eliane pegou trauma após passar mal em voo e ficou 16 anos sem voar de avião — Foto: Adriana Justi/G1

“O medo de voar de avião interfere em vários aspectos da vida da pessoa, como familiar, profissional e social”, explica a psicóloga Solange Yamin, que é especialista nesse tipo de medo.

Quando a família percebeu que o medo de Eliane não era tão simples, acabou desistindo e deixou que ela tomasse a decisão que melhor lhe cabia. Segundo a dona de casa, foi quando ela entrou em uma zona de conforto.

“Durante esses 16 anos, eu fiz meu marido ir comigo três vezes de Curitiba a Buenos Aires de carro, fui nove vezes, também para Buenos Aires, de navio, e ainda fiz a minha irmã viajar pelo menos 28 vezes comigo de ônibus para Foz do Iguaçu”, lembrou. Enquanto isso, o restante da família fazia o percurso muito mais rápido, de avião.

“Nós ficávamos bravos com ela. Achávamos que era frescura e tentamos de todas as formas fazer ela voar com a gente, mas não tinha jeito. Até que chegou um dia que nós desistimos e deixamos ela resolver o que era melhor pra ela”, contou o filho Vianei Mossefaust.

A busca pelo tratamento

Pouco tempo depois, Eliane decidiu dar um basta e percebeu que, viajando por terra, teoricamente também corria risco. Então, decidiu buscar um tratamento.

Depois de mais de dez horas de sessões no consultório de psicologia, a dona de casa contou que o que realmente a fez perder o medo de voar de avião foi o conhecimento.

“Durante o tratamento, a psicóloga tenta ver onde está o medo. E eu fui aprendendo que eu não tinha motivo pra isso”.

Depois disso, ela fez uma viagem em um simulador de voo, localizado na Escola Paranaense de Aviação (EPA), e se sentiu mais à vontade para enfrentar um voo de verdade.

O conhecimento e o voo que a libertaram do medo

Eliane tirou uma selfie durante o voo que ela fez na última etapa do tratamento ao lado da psicóloga Solange Yamin — Foto: Arquivo pessoal

O voo, segundo ela, foi a última etapa do tratamento, em junho de 2015. A viagem, de Curitiba para São Paulo, foi rápida, mas o suficiente para a dona de casa nunca mais esquecer.

“Eu senti muita emoção, afinal, eram quase quinze anos sem pisar em um avião. Eu fui apresentada ao piloto, entrei na cabine do avião. Foi muito legal”, lembrou.

Segundo Eliane, depois desse voo, ela conseguiu se libertar do medo. “Dois meses depois eu já encarei uma viagem para Punta Cana”.

“Foi um tal de sobe e desce absurdo até chegar lá, mas eu me senti muito bem. Depois também fui pra Buenos Aires, algumas vezes, Miami, Orlando, entre vários outros lugares. Agora ninguém me segura”, brinca a dona de casa.

A psicóloga Solange Yamin foi quem Eliane escolheu para fazer o tratamento.

“A Eliane foi uma pessoa muito especial porque ela conseguiu cumprir com todas as técnicas que foram dadas. E no momento em que nós chegamos no aeroporto, ela se mostrou muito determinada. Ela entrou no voo um pouco ansiosa, mas utilizou as técnicas de autocontrole que aprendeu e o voo foi super tranquilo”, comemorou Solange. A volta do voo, garante a especialista, foi ainda melhor para Eliane.

Para o filho Vianei, a conquista da mãe encheu toda a família de orgulho.

Eliane e o filho Vianei comemoram a superação — Foto: Adriana Justi/G1

Eliane e o filho Vianei comemoram a superação — Foto: Adriana Justi/G1

“A nossa felicidade é principalmente porque ela sempre gostou muito de viajar. Então, ela se privava de certas coisas devido ao medo que tinha. E ver ela livre desse medo é maravilhoso. Agora nós viajamos com toda a família e sem medo de ser feliz”, comemora o filho.

Principais características de quem tem medo de voar de avião

Eliane decidiu buscar tratamento quando viu que o medo estava dominando  — Foto: Reprodução/RPC

Eliane decidiu buscar tratamento quando viu que o medo estava dominando — Foto: Reprodução/RPC

Segundo a psicóloga Solange, ansiedade, coração acelerado, sudorese, tontura, mal estar gastrointestinal e apreensão podem ser alguns dos principais sintomas de quem tem medo de voar de avião.

“A pessoa começa a apresentar esses sintomas e isso faz com que ela comece a evitar os voos”, afirma a especialista.

Ela explica ainda que todos esses problemas podem estar relacionados com um pensamento de situação ameaçadora ou de perigo para a vida da pessoa.

“O pensamento fixo é de que vai acontecer um acidente e que ela [a pessoa que tem o medo] vai morrer”, detalha Solange.

Alguns dos pacientes, acrescenta a especialista, têm tanto medo que fazem testamento antes de voar.

Como é feito o tratamento

O tratamento é feito em quatro etapas principais, segundo a psicóloga Solange. Veja abaixo:

1ª etapa – diagnóstico do medo

Na primeira etapa do tratamento, explica Solange, é importante diagnosticar o medo. “É nessa hora que nós identificamos a que está relacionado o medo de voar de avião”. Segundo ela, muitos pacientes acabam confundindo a sensação com claustrofobia ou o medo de altura.

Técnicas de autocontrole são primordiais para essa fase, explica a psicóloga.

“Uma das técnicas que eu utilizo se chama biofeedback, que é quando a gente ensina a pessoa a fazer a coerência cardíaca. Essa coerência é quando a frequência respiratória, frequência cardíaca e a pressão arterial entram em sintonia. Quando esses três componentes estão harmônicos, a pessoa relaxa. E relaxando o corpo, relaxa também a mente, e aí a pessoa começa a pensar na situação do medo com mais racionalidade”.

2ª etapa – reestruturação cognitiva

“É quando a pessoa aprende a monitorar e a identificar todos os pensamentos negativos que ela tem em relação ao medo de voar de avião. No momento em que ela identifica esses pensamentos, começa a questionar, a buscar evidências de que esses pensamentos são verdadeiros ou falsos. A grande maioria dos pacientes acaba refutando esses pensamentos porque são vindos da imaginação”, detalha Solange.

3ª etapa – dessensibilização sistemática

“Nessa etapa, nós expomos a pessoa ao objeto fóbico, que nesse caso é o avião. Isso é feito com programas de computador ou com realidade virtual em um primeiro momento. Quando a pessoa está mais tranquila para voar, se o nível de ansiedade está mais baixo, nós optamos por um simulador de voo. Essa fase do simulador já é uma preparação para o voo final”, explica a especialista.

Eliane utiliza os simuladores de voo da Escola Paranaense de Aviação (Epa), que conta com mais de 40 anos de experiência na formação e treinamento de recursos humanos para a aviação civil.

4ª e última etapa – voo comercial

“No final do tratamento, nós fazemos um voo comercial de trajeto curto. Nessa etapa, nós conseguimos identificar, dentro do voo, se o paciente está preparado e se venceu o medo de voar”.

Solange garante que dados de pesquisas internacionais garantem que 98% dos pacientes voltam a voar de avião com esse tipo de tratamento.

Ela explicou ainda que, em alguns casos, também é necessário um tratamento medicamentoso, principalmente na fase inicial do processo.